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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

FROTA, Luciane da Mota. Parte. Montes Claros: Unimontes, 2014.

 

O todo desta parte

 

O amor é rumo, é direção, corre em veias desgovernadas descontroladamente para um abismo, para dentro de um outro a partir de um eu. Assim é a poesia de Luciane que se torna parte de um todo amoroso, em sonhos e canções, sentir o outro em si, e converter-se nesse outro. Estar na pele, guardar e perder de tanto amor. Ah, desvairado amor que anseia a boca, o corpo, os olhos, a voz. Padecer e enlouquecer em braços e “amassos”.

 

O pensamento não consegue controlar o amor. Seria tão bom se esquecer fosse fácil. Mas o eu poético, em sua pequena canção, tenta, tenta (esquecer), mas o outro tenta, tenta... Ter ciência da não correspondência amorosa é saber que amar é só sonho, é o mínimo que se pode esperar. Porém, sonho é força. A espera se converterá em satisfação e em gozo. E o eu e o outro nus tornam-se nós. Aprisionar-se ao outro, numa paixão avassaladora. A entrega ao amante não é apenas de alma, mas de pele, alimento do corpo. Tudo é um grande se... A voz pede, clama pelo amor. É noite, é escuridão, estrelas cintilam, e o corpo no leito já repleto, quente. Delírio, ânsia, explosão de prazer.

 

A lírica deste Parte só se completa com o todo, com o outro. A solidão é amarga amiga que auxilia na procura insaciável. O eu já nua, mas sem o nu. O fascínio são delícias fantasiosas, glorificantes que anseiam por novas emoções. Despir de si, num reluzente verde, e lançar-se aos pés do amor amado amante ausente. Insanidade é ser escrava solitária nos braços desta paixão dia e noite. Oxímoro. Mas haverá amor sem ao menos ter o beijo? O amor aqui está na tela, espectador, visão una. É preciso pedir licença para lembrar. Beijar os pés, ser escrava do desejo, rainha do prazer que derrama o seu mel, sem jamais esquecer que o sonho faz voar até às nuvens, mas a realidade joga ao chão e destroça o coração.

 

E a dor continua, dor de não poder ver, tocar, sentir. Porém, há o pensar, louca prisioneira com seus desejos proibidos e libidinosos. Imagens, sonhos, vontades obscuras e insaciáveis de uma alma a estremecer de necessidade do corpo do amado. Ah, atiça o fogo do prazer! És lembrança, és caminho, és mistério. Amar com volúpia como uma amante tresloucada. Ficar linda, bonita e cheirosa para o amante e sonhar com o corpo dele delicioso, em seus delírios, devaneios. A resposta é pura fantasia, faltaram os gritinhos e gemidos.

 

Essa é a primeira parte de Parte. Um amor explosivo, verdadeiro, orgástico e platônico. Um amor que não é parte, mas todo. Já na segunda parte desta invenção poética, Luciane nos faz lembrar da vida singela, campeira. Saudosismo. Recordações da família, da ausência, da criança que não volta mais, do cheiro da noite, do tempo do coração. O avô é um forte, um sertanejo, com o leite na mão, dono do seu gado, do seu campo. Agora, o avô domina a memória. És recordação de dias e dias passados. Uma imagem num papel, apenas um retrato no fundo da alma. Como dói!

 

O passarinho cai no alçapão tão bonitinho. Sua liberdade estará completa quando estiver todinho na panela. Um Pará no Rio Mar. O requeijão no tacho e Maria correndo, cheiro de gordura queimando. Delícia! As irmãs da alma, da vida sentindo o cheirinho bom do mato, do melado de rapadura. Eis o cheiro da infância, biscoito frito, ovo caipira, queijo... lembrar é tortura, pois a saudade faz sofrer. Tempo que não volta mais.

 

O Velho Rio secou e o poeta se calou. A lua aparecendo na estrada, amarela; o cheiro do carvão e um galo cantando ao amanhecer. Tudo isso já não há mais. O terreiro está vazio, sozinho. Como dói! Dor de tristeza e angústia. Tudo se foi. Progresso? ou Assassínio? Saudades da sandália de couro da mãe. Da Amarelinha jogada à noite, antes de dormir. Durante o dia, com a chuva, as meninas em casa; e os meninos lá fora pulando na rua. Cheirinho de terra molhada. Tudo isso vem e vai, vai e vem, volta e não volta.

 

E nessa volta, a terceira parte poética de Luciane é vasta, de temáticas diversas, mas mantendo a sensibilidade poética, refletindo sobre o amor, vida e morte, o ser e o tempo, a poesia e sua palavra, verborragia.

Ser é não ser, viver é envelhecer, até morrer. É ficar na janela observando um encontro casual de corpos ardentes, na chuva, grudados pelo vendo, dentro de um automóvel, copulando sem pudor, na poltrona do carro. Enquanto os outros gozam, tragar a fumaça do cigarro. Voyeurismo. O corpo sendo preparado para o túmulo, rumo ao paraíso verborrágico. Porque a poesia é ébria, bebe, come, vive e morre.

 

No auge da flor, gerar o amor, sair de si para eternamente viver. Capturar o instante suspenso no ar, pois o tempo arrasta, arrasa. Ele leva a juventude e os doces tempos de paixão. A vida é uma frágil camada de água, carne e pó. A inocência alça voos e se lança ao luar, capturada com um flash e só. A palavra é preciosa como tesouro, perdida no tempo de verdades infinitas. Metalinguagem. A poesia espera, para no orgasmo, nascer, parturejar com inabalável alegria e tristeza, dia e noite, no claro e escuro. Antíteses da vida.

 

E ao fim desta lavra poética, marcada pelo amor, pela paixão, pelas rememorações e reflexões; Luciane Mota, biblicamente, encerra, aludindo à efemeridade: “és pó/ e ao pó voltarás/ és carne/ e da carne/ nada levarás”. Eis a poesia singela, genuína e simples. Uma poética que não anseia levar, mas esperar, como eterna amada, como uma Penélope em estado de êxtase. Com versos bem soltos, com rimas encantadoras, sem uma estética definida, mas ampla como a vida, como uma boa poeta moderna, Luciane transubstancia-se em seu eu lírico feminino todo esvoaçante. Sonetos bem à contemporaneidade entrelaçam-se com estrofes assimétricas, ora longas, ora curtas com profunda intensidade. Eis a poesia deste Parte que se torna, com a força de sua lírica, o Todo.

Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 14/01/2025
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