PLACÊNCIA, Odila. Restos de saudade: poesias. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2009.
Nestes Restos de Saudade, a sensibilidade memorialística de Odila Placência nos leva a uma atmosfera mágica dos tempos pueris e joviais. Amizades e amores de outrora que marcaram a vida, deixando cicatrizes na memória. Momentos ímpares vividos intensamente como devem ser vividos todos os instantes terrenos. Parar e olhar ao redor e perceber que o mundo, apesar dos turbulentos convívios e dificuldades, presenteia-nos com suas maravilhas que só os olhos sensíveis de um poeta podem perceber.
Sentir o gosto da vida e desfrutar a sua fragilidade em um pequeno grão de areia. Deitar nesse sustento do mar e sentir as amizades perfumando nossas vidas como flores lançadas ao vento. Esperar uma mensagem do mar que, chegando em uma garrafa ou em um corpo humano, possa transformar nossas vidas completamente. Bendita vida vivida entre campos, entre chuvas, entre perfumes de rosas, entre respirações de amantes.
Assim é a poesia desta paulista de coração forte, de uma mulher guerreira que não deixa escapar nenhuma barata de seu chinelo. Uma poesia repleta de poesia, isto é, de sentimentos, de recordações, de lembranças únicas que ficam estampadas no quadro da memória. Nada de extraordinário, fenomenal, cenas simples, cenas corriqueiras, cenas genuínas. No intervalo do almoço, em meio tanta agitação citadina, garotas sentadas na praça falando de amores ou de quaisquer outros rumores. Na mendicância costumeira, um homem ri de sua desgraça ou sorri por encontrar um pedaço de pão no lixo. Com olhos de cronista, o que também a Odila é, a poeta traz para seus versos um universo típico dos mortais. Uma cotovia é capaz de reportar ao amado e aos passeios de mãos dadas assistindo a um belo entardecer.
Lendo os versos de Odila, sentimos um desejo ardente de poder sair de nossos lares quadrados e adentrar em um mundo cuja natureza nos proporcione odores e amores. Ainda que com a transformação natural de nossos corpos, rejuvenescer ao sentir a brisa no rosto e dançar ao ritmo do compasso. Em um jardim, perceber o desabrochar constante de flores. Sempre no fim de um crepúsculo poente, a certeza da alvorada trazida nos cantos dos pássaros na madrugada. Dessa forma, Odila nos ensina que a vida é esse ciclo de renovações e de recordações.
Em um mundo marcadamente corpóreo, somente o olhar perspicaz de uma poeta como Odila faz nos apreciar o brilho da lua e amar mesmo a distância: “Lua cheia numa tensa claridade... da minha varando vejo tão linda... pego o telefone sem frio... e te ligo e peço para sair a janela, olhar o céu só por um pouco... apesar da distância... sentir o clarão no mesmo instante iluminando o meu e o seu rosto, nos entregar num deleite amoroso... e ficar assim no sereno... depois desligar aquele colóquio distante que nos fez ficar tanto tempo conversando sem ver nossos semblantes, tu em tua janela, e eu na minha varanda ao telefone contemplando a mesma lua namorando como velhos amantes”.