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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

Sonetos, de Luís de Camões

por Márcio Adriano Moraes

É praticamente um consenso: Luís Vaz de Camões é o maior poeta de Língua portuguesa. Para o seu contexto social, artístico e econômico, além de ter produzido a maior epopeia lusitana, Os Lusíadas (1572), o poeta escreveu centenas de sonetos e outras composições líricas. Nascido provavelmente em 1525 em Lisboa, Camões era filho de uma família fidalga empobrecida, dependente de favores de ricos e poderosos. A sua vida militar é razoavelmente conhecida, tendo viajado por muitos lugares e também participado de batalhas. Foi numa dessas incursões em Celta, Espanha, que teria perdido o olho direito. Na China, vivenciou um naufrágio, onde, na ocasião, perdeu uma dama que lhe servia de companhia, a qual aparece em seus versos com o nome de “Dinamene”. Apesar de ter recebido do Rei Dom Sebastião uma espécie de mesada pela dedicatória de Os Lusíadas, Camões morreu precariamente em 10 de junho de 1580. Suas láureas literárias foram póstumas.

 

Os sonetos de Luís de Camões representam o ápice da poesia lírica renascentista em Portugal, fundindo elementos clássicos, filosóficos e culturais em uma forma poética que transcendeu épocas. Camões foi um dos maiores propagadores do gênero e o adaptou ao contexto cultural de seu tempo, criando versos que são profundamente pessoais e universais.

 

A forma do soneto, originária da Itália e popularizada por Francesco Petrarca, foi introduzida em Portugal no século XVI, e Camões tornou-se seu maior expoente. O soneto italiano, composto por quatorze versos, divide-se em dois quartetos e dois tercetos. Os quartetos geralmente apresentam rimas interpoladas (ABBA) ou cruzadas (ABAB), enquanto os tercetos oferecem esquemas variados, como CDC-DCD, CDE-CDE, CDC-CDC, CDE-DCE etc. Essa estrutura permite uma organização clara do pensamento poético: os quartetos geralmente apresentam o tema ou problema, enquanto os tercetos trazem a resolução ou reflexão final. Para um bom arremate temático, o último verso deve trazer a “chave de ouro”.

 

Camões criou uma poesia que alia forma e conteúdo com equilíbrio. A utilização de versos decassílabos – heroicos (com tônicas na 6ª e 10ª sílabas) e sáficos (com tônicas na 4ª, 8ª e 10ª sílabas) – reflete sua preocupação com a musicalidade e o rigor formal. Essa atenção à forma é característica do Renascimento, que valorizava a harmonia, o racionalismo e a busca pela perfeição.

 

Em sua lírica, Camões foi fortemente influenciado pelas filosofias de Aristóteles e Platão, cujos pensamentos permeiam sua visão de mundo. Da filosofia aristotélica, ele herdou o interesse pela natureza e pelo ser humano, bem como a concepção de arte como mimese, ou seja, a imitação da realidade. Em seus sonetos, o poeta busca representar as emoções humanas e a condição terrena com profundidade, objetividade e universalidade. De Platão, Camões absorveu, por exemplo, a ideia do amor platônico, que transcende o plano físico e busca a perfeição espiritual. Essa influência é evidente em sonetos como “Transforma-se o amador na cousa amada”, em que o eu lírico reflete sobre a fusão entre amante e amado, ilustrando a idealização do amor como forma de transcendência.

 

O Maneirismo, estilo que sucedeu o Renascimento, é caracterizado por uma tensão entre o ideal de harmonia renascentista e as incertezas do mundo, por meio de contradições, o que antecipa características barrocas. Camões incorpora elementos maneiristas em sua poesia, como a tensão, o contraste e o paradoxo, que refletem um mundo em desconcerto. Em sonetos como “Amor é fogo que arde sem se ver”, essa tensão se manifesta na contradição dos sentimentos: o amor é simultaneamente prazer e dor, liberdade e escravidão.

 

Os sonetos de Camões abordam temas universais que transcendem seu contexto histórico e continuam a ressoar com os leitores modernos. Entre os principais temas, destacam-se:

 

O amor: Camões explora o amor em suas múltiplas faces: como idealização, sofrimento e desejo. Em “Amor é fogo que arde sem se ver”, com sua sequência de oximoros, o amor é retratado como um sentimento paradoxal. Já em “Alma minha gentil, que te partiste”, além do tom elegíaco, expressa a dor da perda e o desejo de reencontro espiritual com o ser amado.

 

A efemeridade da vida: a transitoriedade da existência é um tema recorrente na poesia camoniana. Em “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, o poeta reflete sobre a inevitabilidade da mudança e a fragilidade das esperanças humanas. O tempo é visto como uma força inexorável que transforma tudo, ressaltando a natureza passageira da vida. A efemeridade e a mutabilidade da vida são o foco desse poema. O contraste entre passado e presente é acentuado pelo uso de imagens como o “verde manto” e a “neve fria”, que simbolizam as transformações impostas pelo tempo.

 

A religiosidade: muitas vezes abordada sob a perspectiva da fé cristã, da devoção e da busca pela transcendência. No soneto “Não passes, caminhante! Quem me chama?”, a religiosidade se manifesta de maneira explícita por meio da exaltação de valores cristãos como o sacrifício, a devoção e a glória divina. Nesse poema, a voz lírica inicia com uma advertência ao caminhante, chamando sua atenção para a memória de alguém que, pela fé, trocou a vida terrena e finita por uma existência eterna, marcada pela “divina, infinita e clara fama”. Essa transição da vida mortal para a glória celestial reflete a centralidade da crença cristã na imortalidade da alma e na recompensa divina para os que demonstram virtude e fé.

 

A mitologia clássica: em “O ferido sem ter cura perecia”, por exemplo, Camões evoca Télefo (filho de Hércules, ferido por Aquiles durante a Guerra de Troia) e Apolo para simbolizar a busca por cura e transcendência. Já o soneto “Depois que viu Cibele o corpo humano” baseia-se no mito de Átis, jovem amado pela deusa Cibele, que após um ato de desespero é transformado em um pinheiro. Essa história, profundamente enraizada na mitologia greco-romana, simboliza a transmutação e a preservação da memória através da natureza. No poema, Camões descreve a dor de Cibele diante da perda de Átis e o apelo que ela faz a Júpiter (Zeus, na mitologia grega) para que o pinheiro seja agraciado com uma distinção especial.

 

A dor existencial e o desconcerto do mundo: muitos sonetos camonianos abordam o sofrimento humano e a desilusão com o mundo, como em “Fortuna em mim guardando seu direito”, que explora as injustiças da vida e a imprevisibilidade do destino. No soneto “Erros meus, má fortuna, amor ardente”, a reflexão sobre a condição humana e suas dores existenciais aparecem de forma evidente, com o poeta expondo um quadro de angústias, erros e desilusões que moldam sua percepção da vida. A dor existencial em Camões é retratada como uma luta constante entre as forças internas e externas que afligem o indivíduo, refletindo a fragilidade e a complexidade da existência.

 

Além desses temas, Camões utiliza uma variedade de recursos estilísticos para enriquecer seus sonetos, entre eles: apóstrofe: em “Alma minha gentil, que te partiste”, o poeta dirige-se diretamente à alma amada, criando um tom de intimidade e lamento; metáfora: “Amor é fogo que arde sem se ver” utiliza a metáfora para descrever o amor como algo invisível, mas intenso; oximoro:  em “É um contentamento descontente”, através de contrastes, expressa a complexidade dos sentimentos humanos; hipérbato: em “Eu cantarei de amor tão docemente”, a inversão da ordem natural das palavras enfatiza a musicalidade; e intertexto: em “Sete anos de pastor Jacob servia”, Camões faz referência à história bíblica de Jacó, entrelaçando religião e poesia.

 

Os Sonetos de Luís Vaz de Camões, portanto, são uma síntese da experiência humana, capturando emoções e reflexões atemporais com formalidade renascentista e reflexão filosófica. Sua capacidade de combinar influências clássicas, temas universais e uma linguagem poética refinada garante seu lugar entre os maiores poetas da literatura mundial. Cada soneto é uma janela para as angústias, paixões e esperanças humanas, perpetuando o legado de Camões como um mestre da palavra. Com esses poemas, ele nos lembra que, apesar das mutações do tempo e das vontades, a poesia permanece eterna.

 

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Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 07/01/2025
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