por Márcio Adriano Moraes
Integralmente publicada postumamente, somente em 1944, Casa velha, segundo Jean Pierre Chauvin, é a segunda novela de Machado de Assis, sendo a primeira O Alienista (1880-1881). Tal narrativa, embora traga ecos do folhetim romântico, desenrola-se com a sobriedade característica de sua fase de transição entre o Romantismo e o Realismo. Publicada originalmente em capítulos na revista A Estação (1885), a obra explora temas como tradição, hipocrisia social, moralidade e conflitos entre sentimentos pessoais e convenções familiares.
A trama se desenvolve em 1839, no Rio de Janeiro, tendo como cenário a Casa Velha, um casarão que simboliza não apenas o peso da tradição, mas também os segredos e as convenções familiares que se passam em seu interior. O ambiente descrito reflete as tensões entre o passado colonial e os desafios de um Brasil que lentamente começava a se modernizar. Questões políticas como a Maioridade de Dom Pedro II e a Guerra dos Farrapos, o papel das mulheres e o conservadorismo patriarcal servem de pano de fundo para o contexto.
A história é narrada em primeira pessoa, cronologicamente, por um Cônego, uma figura de ambiguidade moral, cujo nome verdadeiro não é revelado. Embora seja um observador e conselheiro, ele mesmo se vê envolvido emocionalmente na história, desenvolvendo sentimentos contraditórios por Lalau e questionando suas próprias crenças. Tudo se inicia quando o Cônego passa a frequentar a casa da família de D. Antônia com intento inicial de fazer um registro político sobre o reinado de Dom Pedro I, através de consultas a documentos da biblioteca da Casa Velha. O espaço central é, pois, essa casa, em que D. Antônia, uma mulher austera e conservadora, busca preservar as aparências e o status da família após a morte de seu marido, um ex-ministro de Estado.
O dever e o desejo guiam as ações das personagens. O conflito principal gira em torno do amor entre Lalau e Félix. Este, o filho de D. Antônia, é um jovem sem grandes ambições, mas que guarda um amor proibido por Cláudia, ou Lalau, uma agregada da casa que foi criada sob os cuidados da matriarca. Lalau é descrita como uma jovem encantadora, educada por D. Antônia, mas marcada pela distância social que a separa de Félix. Um dos pontos mais significativos do enredo consiste no diálogo entre o Cônego e D. Antônia sobre o amor de Félix e Lalau, percebido pelo padre. A relutância da matriarca em aceitar o relacionamento entre o filho e a agregada, inicialmente atribuída a razões sociais, revela-se enraizada em um segredo familiar que impacta profundamente as relações das personagens. Após uma série de complicações e revelações, a força decisiva dos destinos virá das mãos da parte mais frágil, a agregada Lalau. E, assim, o seu desfecho e o de Félix encontrará correspondência em Vitorino e Sinhazinha respectivamente.
O tema central de Casa Velha é, portanto, o conflito entre o amor e as barreiras impostas pela sociedade patriarcal e hierárquica do século XIX. Machado de Assis investiga as consequências das convenções sociais na vida íntima das pessoas, revelando como as dinâmicas de poder, classe e moralidade moldam os destinos individuais. Além disso, a obra aborda a hipocrisia das aparências, especialmente no que diz respeito à moralidade sexual e às expectativas de comportamento feminino. A figura de Lalau, como uma jovem órfã educada para ser subserviente, contrasta com as ambições frustradas de Félix e a rigidez moral de D. Antônia, gerando uma crítica às desigualdades sociais e às normas que regiam as relações afetivas.
Assim sendo, com personagens relativamente densos e uma trama que mescla o íntimo e o social, Machado de Assis constrói uma história que surpreende o leitor convencional da época, familiarizado com os típicos happy end românticos. Casa velha traz um final de caráter realista, com a seguinte conclusão do próprio Cônego-narrador: “Se ele (Félix) e Lalau foram felizes, não sei; mas foram honestos, e basta”.