por Márcio Adriano Moraes
A história de Montes Claros, cidade polo do norte de Minas Gerais, está profundamente entrelaçada com as Festas de Agosto, um dos eventos mais significativos do calendário cultural catrumano, celebrando a fé, a resistência e a memória de seu povo. A música Montesclareou, de Tino Gomes e Georgino Júnior, e o Documentário/Movimento Catopezera, idealizado por Tino em parceria com Danuza Menezes, destacam-se como instrumentos de preservação e renovação cultural dessas raízes folclóricas da identidade da Princesa do Norte.
A música e o movimento, assim, constituem manifestações culturais que transcendem o entretenimento, alcançando o patamar de resistência histórica e reafirmação identitária. Esses projetos não apenas celebram a riqueza cultural de Montes Claros, mas também atuam como ponte entre o passado e o presente, revitalizando tradições ancestrais e projetando-as para novos horizontes artísticos.
As Festas de Agosto têm como principais figuras de devoção o Divino Espírito Santo, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, santos que carregam grande significado para as comunidades afro-brasileiras. O Divino Espírito Santo simboliza a união e a esperança, enquanto São Benedito e Nossa Senhora do Rosário remetem às tradições religiosas dos escravizados e descendentes de africanos, estabelecendo uma conexão entre a religiosidade popular e as lutas históricas por liberdade e dignidade. Essa devoção se reflete nos cânticos, nas danças e nos rituais dos ternos — Catopês, Marujos e Caboclinhos —, que, juntos, formam a espinha dorsal das celebrações.
O documentário Catopezera, além de sua função informativa, assume o papel de propagador e formador dos ritmos dos tambores. A oficina, realizada por Tino e Danuza em Belo Horizonte, cria um “casamento” entre o folclore tradicional e a modernidade musical, renovando o vigor dessas práticas. A proposta de levar os ritmos dos catopês para outros estilos musicais não diminui a essência das tradições, mas as amplia, promovendo um diálogo com o contemporâneo que possibilita maior alcance e impacto cultural.
Já a música Montesclareou, com sua letra poética e melodia que remete aos ritmos tradicionais das Festas de Agosto, cumpre a função de iluminar a identidade de Montes Claros, reforçando o sentimento de pertencimento entre seus habitantes. A composição celebra não só a história e a religiosidade popular, mas também o orgulho de uma herança cultural que permanece viva e pulsante. O verbo “clarear”, presente no título e no contexto, simboliza o ato de trazer à tona histórias, para alguns ocultas, e dar luz às narrativas de resistência de povos negros, indígenas e populares; através dos louvores a São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Mestre Zanza.
Essas tradições só sobrevivem graças ao trabalho incansável de figuras como Mestre Zanza (1933-2021) que, metonimicamente, é referenciado na canção para representar todos os mestres, verdadeiros guardiões da memória e das práticas culturais. O saudoso João Pimenta dos Santos Filho (Zanza), um dos nomes mais icônicos das Festas de Agosto, dedicou sua vida a manter vivos os rituais, transmitindo o conhecimento às novas gerações e garantindo a continuidade dessa herança. Sua atuação não apenas reforça a relevância dos ternos, mas também demonstra a força comunitária e a importância da oralidade na preservação da história.
Dessa forma, ao incorporar os ritmos dos Catopês em sua melodia e exaltar, em sua letra, a essência cultural de Montes Claros, Montesclareou não apenas celebra a cidade, mas também ilumina a relevância dessas tradições para a identidade de seu povo. O documentário Catopezera e as ações do movimento, por sua vez, ampliam o alcance dessa mensagem, promovendo a valorização das festas e sua importância como patrimônio imaterial. Analisando conjuntamente a história de Montes Claros, as Festas de Agosto, a música Montesclareou e o Movimento Catopezera, fica evidente que a cultura local é uma força vital na construção da identidade do povo norte-mineiro.