por Márcio Adriano Moraes
A identidade e a construção do eu é tema que perpassa Quincas Borba, de Machado de Assis; Maria Dusá, de Lindolfo Rocha; e Epitáfio, de Sérgio Brito dos Titãs. As três obras, cada qual a sua maneira, abordam a formação da identidade individual em meio a contextos de amor, loucura e desafios da vida.
Em Machado de Assis, a súbita mudança na condição social de Rubião desencadeia uma crise de identidade em sua vida, ao tentar se adaptar à burguesia carioca. Contudo, sua ingenuidade e falta de malícia o tornam vulnerável. E sua paixão por Sofia intensifica sua confusão interna, levando-o a misturar realidade e fantasia.
Fica nítida a influência do Humanitismo na construção do eu em Rubião, o qual se torna um “experimento” dessa filosofia, o que contribui para seu declínio mental. Sua identificação com figuras de poder, como Napoleão III, evidencia sua perda de contato com a própria essência. Então, Rubião se perde em delírios de grandeza, ilustrando como a falta de autoconhecimento e a influência externa podem desestruturar o eu.
No romance de Lindolfo Rocha, a protagonista Maria Dusá é uma mulher que enfrenta desafios em sua jornada de autodescoberta. Ambientado no interior baiano, o romance explora temas como amor, honra e tradição. Maria Dusá luta para afirmar sua identidade em uma sociedade que limita as escolhas femininas. Sua trajetória é marcada por conflitos entre desejos pessoais e expectativas sociais. Junto a ela está sua irmã Maria Alves que também passa por uma travessia. Porém, diferentemente de Dusá que encontra seu happy end, Mariazinha se retira de uma seca para encontrar a secura afetiva e social no fim de sua vida. Em constante busca de si também está Ricardo Brandão, que deixa as Minas Gerais para se encontrar nas minas diamantinas; outro personagem que vai transitando entre moral e corrupção do ser, até encontrar a redenção no amor.
Comparando-se os protagonistas dos dois romances, Maria Dusá busca construir seu eu a partir de suas próprias experiências e sentimentos, resistindo às imposições externas para ter um fim revigorante. Ao contrário de Rubião, que é influenciado e conduzido pelas circunstâncias e pelas pessoas ao seu redor, padecendo um trágico fim; Maria Dusá demonstra uma força interior que a impulsiona a tomar decisões autônomas, mesmo que enfrentando consequências adversas. A ruína psicológica de Rubião poderia ser análoga a ruína moral de Mariazinha, a qual também padecerá trágico fim.
A canção Epitáfio, por sua vez, traz a reflexão de um eu lírico sobre arrependimentos e oportunidades perdidas na vida. Com versos como “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer”, a música convida à introspecção sobre as escolhas pessoais e a construção de uma vida com significado.
Essa reflexão se conecta com as jornadas de Rubião e Maria Dusá. Rubião, consumido por ilusões e influências alheias, perde a oportunidade de construir uma identidade autêntica. Seus arrependimentos podem ser vistos nas ações que o afastam de si mesmo, levando-o à loucura. Já Maria Dusá, apesar das dificuldades, busca viver de acordo com seus valores, superando os arrependimentos da canção, para, ainda em vida, experimentar um “mais”.
Tanto Rubião quanto Maria Dusá enfrentam desafios na construção de suas identidades, mas suas trajetórias diferem significativamente. Rubião é um exemplo de como a falta de autoconhecimento e a influência negativa do meio podem levar à destruição do eu. Sua incapacidade de discernir entre realidade e fantasia resulta em sua ruína pessoal. Maria Dusá, por sua vez, simboliza a resistência e a busca por autenticidade. Apesar das pressões sociais e dos obstáculos, além do drama amoroso vivido com Ricardo, ela se esforça para definir seu próprio caminho. Sua história destaca a importância da autonomia na formação da identidade e como o amor-próprio e o amor de redenção pelo seu amado, além da determinação, podem conduzir a uma vida mais plena e realizada no fim.
Dessa forma, a canção Epitáfio serve como um espelho para ambos os personagens, ressaltando a importância de viver conscientemente e fazer escolhas que reflitam verdadeiramente quem somos. Enquanto Rubião pode representar o lamento de não ter vivido de forma autêntica, Maria Dusá personifica a busca ativa por um verdadeiro eu, encontrando sua identidade genuína, sua origem, ao fim da narrativa.
Na proposta de “amor e loucura: a vida como ela é”, as obras analisadas evidenciam que a busca pela identidade é um processo intrinsecamente ligado às experiências de amor e às provações que podem levar à sanidade ou à loucura. Ao compreender as trajetórias de Rubião e Maria Dusá, somos convidados a examinar nossa própria jornada de autoconstrução, valorizando a importância de viver de acordo com nossos princípios e emoções verdadeiras. E não esquecer da lição deixada por Sérgio Brito em sua canção Epitáfio: “complicar menos e amar mais”.