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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

A última floresta, direção de Luiz Bolognesi

por Márcio Adriano Moraes

O documentário A Última Floresta (2021), dirigido por Luiz Bolognesi e coescrito por Davi Kopenawa Yanomami, é uma obra que combina a força narrativa de uma denúncia ambiental com a beleza poética de um retrato cultural. Filmado na Terra Indígena Yanomami, o longa retrata os desafios enfrentados por um dos últimos povos indígenas que vivem de forma isolada na Amazônia, enquanto lutam contra as pressões externas que ameaçam sua existência e a própria floresta.

 

Logo nos primeiros minutos, o filme transporta o espectador para a exuberante e exótica paisagem da floresta amazônica, com seus chapadões imensos, cachoeiras e corredeiras. O cenário, que parece quase mítico, é o palco de uma batalha silenciosa e devastadora entre o povo Yanomami e os invasores garimpeiros. A entrada desses garimpeiros ilegais trouxe doenças e destruição, comprometendo o delicado equilíbrio ecológico e espiritual da floresta.

 

Um dos aspectos mais notáveis de A Última Floresta é sua estrutura híbrida, mesclando documentário e ficção. A lenda de Omama e Yoasi, que deu origem ao povo Yanomami, é encenada pelos próprios indígenas, criando um paralelo entre o mito fundador e a realidade atual do povo. Esse recurso narrativo permite que o espectador se conecte com a ancestralidade cultural dos Yanomami, ao mesmo tempo em que os alerta para os riscos concretos que ameaçam sua sobrevivência. A dramatização dessa lenda oferece uma janela para o imaginário Yanomami, revelando como espiritualidade e tradição estão entrelaçadas em sua vida cotidiana.

 

Uma metáfora da perda constante que o povo Yanomami enfrenta devido às invasões é ilustrada, por exemplo, através da personagem Ehuana que busca pelo marido desaparecido. Em uma cena particularmente comovente, ela tenta interpretar os sonhos que lhe revelam pistas sobre o paradeiro do marido, trazendo à tona a relação que os Yanomami têm com o mundo espiritual e os sonhos, vistos como guias em sua jornada.

 

O líder e xamã Davi Kopenawa Yanomami é o fio condutor do filme. Sua luta para manter vivas as tradições e proteger a floresta não é apenas uma batalha pessoal, mas um símbolo da resistência indígena. Em uma cena, Davi se reúne com os membros de sua aldeia para alertá-los sobre os perigos trazidos pelos garimpeiros, tanto em termos de envenenamento dos rios com mercúrio quanto pela sedução dos bens materiais oferecidos pelos brancos. Há, por exemplo, o enfoque no conflito interno enfrentado pelos jovens Yanomami, que são atraídos pela tecnologia e pelo estilo de vida das cidades.

 

O impacto do documentário é amplificado pela escolha de Bolognesi em manter a câmera sempre respeitosa e não intrusiva. A rotina dos Yanomami – uma criança pedindo beiju, um idoso varrendo o chão, homens entrando em transe em um ritual – é capturada com sensibilidade, permitindo ao espectador imergir no cotidiano desse povo. Esses pequenos momentos, aparentemente banais, reforçam a humanidade dos Yanomami e o que está em risco: não apenas a floresta, mas uma forma de viver e ser no mundo que é única.

 

Ao longo de seus 76 minutos, A Última Floresta oferece uma mensagem clara: a luta pela sobrevivência dos Yanomami é, acima de tudo, uma luta pela vida em sua forma mais pura. Quando Davi Kopenawa, em uma palestra na Universidade de Harvard, alerta os acadêmicos sobre o perigo iminente que o garimpo representa, ele faz uma reflexão crucial sobre a relação do homem branco com a floresta. Para os Yanomami, “importante” são os animais, as plantas e a fertilidade da terra; para o homem branco, “importante” são as mercadorias, acumuladas com ganância.

 

O documentário evita utilizar imagens de arquivo para ilustrar as atrocidades cometidas contra os Yanomami, como o Massacre de Haximu em 1993, optando por relatar essas tragédias em letreiros ao final. Essa escolha mantém o foco na vida dos Yanomami, valorizando sua cultura e ressaltando o que ainda pode ser preservado, em vez de explorar o horror da destruição. Contudo, a mensagem é clara: o genocídio indígena continua, impulsionado pela ganância desenfreada dos invasores.

 

A Última Floresta é mais do que um documentário ambiental ou uma denúncia política. É um tributo à resiliência de um povo que insiste em existir, em um mundo que tenta apagá-los. Ao sair do filme, o espectador leva consigo a urgente mensagem de que é preciso proteger a floresta, não apenas como um ecossistema, mas como a morada espiritual e física de quem vive em harmonia com ela há séculos, muito antes de quaisquer “brasis”.

 

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Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 12/10/2024
Alterado em 13/10/2024
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