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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

Resistir, de Auíri Tiago

por Márcio Adriano Moraes

A pintura Resistir, de Auíri Tiago, é uma obra carregada de simbolismo e crítica, refletindo a luta contínua dos povos indígenas brasileiros frente às imposições coloniais e contemporâneas. A dualidade presente na obra, com uma parte preta repleta de imagens rupestres brancas, conecta o passado ancestral dos povos originários com o presente. Ao incorporar as formas das pinturas rupestres do Parque Nacional Serra da Capivara, o artista evoca uma ancestralidade de povos pré-cabralino que ocuparam estas terras brasileiras por milênios, reforçando a narrativa de resistência que atravessa a obra.

 

A escolha da cor preta para essa parte da pintura sugere a escuridão de um passado marcado pela violência e o silenciamento imposto aos povos indígenas, enquanto as figuras brancas remetem à resistência dessas comunidades, preservando e reafirmando suas identidades através da arte e da memória. As imagens rupestres, símbolos da mais antiga expressão artística humana, são aqui ressignificadas como uma linguagem de resistência cultural e espiritual.

 

A presença da bandeira brasileira, desproporcional e deformada, oferece uma leitura crítica do Estado e do projeto nacional que, historicamente, excluiu os povos indígenas e não lhes garantiu a devida representatividade. O losango amarelo fora de proporção e o círculo azul deslocado sugerem uma distorção da própria ideia de nação, na qual a harmonia entre os elementos é quebrada, assim como o equilíbrio entre o progresso e a preservação das culturas originárias rompido. Essa deformação pode ser lida como uma metáfora do desajuste entre o discurso oficial de unidade nacional e a realidade excludente vivida pelos povos indígenas.

 

A faixa branca em formato de seta com haste curvada/quebrada, em que está escrito “Tupã” no lugar de “Ordem e Progresso”, é uma intervenção que retira a imposição racional e traz a ligação subjetiva. Tupã, a divindade suprema para diversas nações indígenas do Brasil, simboliza a força espiritual e a ligação com o sagrado. A seta curvada/quebrada indica a interrupção dessa conexão ou o rompimento da harmonia entre a espiritualidade indígena e o mundo colonizado, mas também pode sugerir a tentativa de ruptura desse progresso predatório, que ignora a sabedoria indígena e suas formas de coexistência com a natureza, tornando-se, assim, um símbolo de resiliência e de luta constante.

 

A exclusão das demais estrelas da bandeira e a escolha por destacar apenas o Cruzeiro do Sul reflete a centralidade desse símbolo no que tange aos cinco pontos/estrelas, os quais estariam associados aos quatro elementos: terra, fogo, água e ar, sendo o quinto, o éter. Além disso, enquanto a bandeira oficial brasileira apresenta as estrelas para representar os estados, Auíri Tiago parece sugerir um foco na Terra-mãe, no território e na cosmologia indígena. Assim, o Cruzeiro do Sul não é apenas uma orientação geográfica/astronômica, mas também espiritual para os povos originários.

 

No conjunto, a pintura constrói uma imagem de resistência contínua: os povos indígenas não apenas resistem ao longo da história, mas também reconfiguram, ressignificam e se apropriam dos símbolos nacionais para questionar a opressão e reivindicar sua presença e representação dentro do projeto de nação. A obra aponta para uma crítica à forma como a modernidade e o progresso foram impostos, destacando a importância de ouvir e respeitar os saberes ancestrais, que ainda hoje oferecem alternativas sustentáveis e éticas para a convivência entre os humanos e a natureza.

 

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Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 28/09/2024
Alterado em 28/09/2024
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