por Márcio Adriano Moraes
Publicado em 1910, no período pré-modernista, o romance Maria Dusá, de Lindolfo Rocha, desenrola-se em torno de um “triângulo amoroso” e de um retrato histórico e social do sertão baiano na Chapada Diamantina. A trama se inicia com Ricardo Brandão, um tropeiro mineiro que, ao atravessar o sertão da Bahia em direção às lavras de diamantes, envolve-se com duas mulheres, Maria Alves e Maria Dusá, cuja semelhança física gera uma série de mal-entendidos e tensões ao longo da narrativa.
O enredo se passa na década de 1860 e tem como pano de fundo inicial a seca e a decadência da fazenda Lagoa Seca, onde Ricardo conhece a jovem Maria Alves. Ela e sua família enfrentam a miséria, e, em um dos momentos mais dramáticos, o seu pai propõe trocá-la por um pouco sal. Embora Ricardo a "compre" oferecendo comida, ele não a leva consigo, marcando o início de uma relação que permanecerá ambígua e inacabada.
Ao chegar à Chapada Diamantina, um espaço descrito como um paraíso de riquezas e oportunidades, Ricardo conhece Maria Dusá, uma prostituta poderosa e dona de escravos. A semelhança física entre Dusá e Maria Alves o leva a acreditar que ambas são a mesma pessoa, desencadeando uma série de confusões que determinam o destino das três personagens centrais. A partir daí, a história evolui de forma a explorar a degradação moral e emocional das personagens, ao mesmo tempo em que revela um cenário de prosperidade e ambição na Chapada.
Um dos pontos altos da narrativa é a maneira como o autor retrata a Chapada Diamantina. O lugar é descrito como o "centro do mundo", onde diferentes nacionalidades e grupos sociais se encontram em busca de riqueza. Essa caracterização confere ao romance um tom regionalista, em contraste com a urbanidade de grandes centros.
Outro aspecto significativo é o desenvolvimento das duas protagonistas femininas. Maria Dusá, inicialmente apresentada como uma mulher mundana, transforma-se ao longo da narrativa. Ao conhecer Ricardo e sentir o impacto do desprezo que ele demonstra ao confundi-la com Maria Alves, decide abandonar a prostituição e buscar uma vida honesta, passando a ser chamada de Dona Emerentina. Sua transformação simboliza a possibilidade de redenção e regeneração. Maria Alves, por outro lado, é a mulher que foi vendida por sua família e que, ao longo da narrativa, revela uma relação conflituosa com o amor e o luxo, culminando numa decadência moral.
O “triângulo amoroso” entre Ricardo, Maria Dusá e Maria Alves é o eixo central da história. O tropeiro, que inicialmente idealiza Maria Alves e despreza Dusá, acaba por reconhecer o amor verdadeiro nesta última. A semelhança entre elas não é coincidência, revelações são dadas ao fim do enredo que conectam a vida das Marias significativamente.
Apesar de publicado no início do século XX, o romance traz ecos do Romantismo, Realismo e Naturalismo. Do ponto de vista estilístico, Maria Dusá utiliza uma linguagem rica e regional, que contribui para a ambientação da narrativa. O retrato da vida sertaneja e do garimpo na Chapada Diamantina é plástico, transportando o leitor para o universo dos tropeiros, garimpeiros e aventureiros que povoam essa terra de contrastes. Além disso, o autor constrói personagens esféricas, cujas escolhas e dilemas refletem a dureza da vida no sertão e o impacto das condições sociais e econômicas sobre o comportamento humano.
Por fim, Maria Dusá é uma narrativa que combina drama pessoal, crítica social e ambientação histórica. Lindolfo Rocha explora temas como o amor não correspondido, a regeneração moral e a busca por identidade em um cenário marcado pela exploração econômica e pelo encontro de culturas. O desfecho, que reúne Ricardo e Maria Dusá, oferece uma resolução ao drama amoroso, mas também aponta para as tragédias e dificuldades que incidem na vida do homem sertanejo e nas lavras de diamantes.