Publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Volume XXXII. 1º Semestre de 2024. Márcio Adriano Moraes. Cadeira nº. 59. Patrono: João Valle Maurício.
Ficava ali, bem do lado do Chicos, que ainda resiste. O aroma da pizza ainda suaviza minhas narinas de boa lembrança. O gosto era mais gostoso com a espera nos brinquedos. Em um gramado, aquele escorrega, a gangorra, havia uma estrutura de ferro para a gente se equilibrar. Com meu irmão e primos fazíamos um mundo de brincadeiras. Até ouvir a voz da mãe chamando: “a pizza chegou”. O sabor não importava, qualquer que seja o ingrediente, a gente comia com satisfação. Quanta saudade tenho do Rafas.
Estamos na década de oitenta e início da década de noventa. Não sei precisar quando fechou. O impacto hoje é até maior do que naquele tempo. Eu menino vi um dos meus restaurantes preferidos sair de cena. E não dei por essa saída. Um dia eu comi pela última vez uma pizza no Rafas sem saber ser a última. Um dia eu brinquei naquele gramado sem saber que era o último. O progresso é como uma roçadeira que vai podando aos poucos. E, muitas vezes, é como uma chibanca arrancando tudo pela raiz. O Rafas foi ceifado em sua completude. Não há mais resquícios do que fora. Somente na memória vive de quem por ali viveu naquele tempo.
Lembro-me também do sábado de feijoada. Lá havia vários caldeirões ou panelas para servir. Em cada um, um ingrediente diferente. Eu achava aquilo o máximo. Diferente das feijoadas que eu estava acostumado a ver com tudo junto e misturado. Ali não. Havia a panela do feijão, a do pezinho, a da linguiça paio, a da carne. Você escolhia suas preferências e montava o seu prato. Eu menino, obviamente, não tinha noção de preço nem de como era o processo. Se pagava por quilo ou um valor único. Eu só sei que enchia o meu prato de feijão com linguiça. Naquele tempo eu não comia outros pedaços. Hoje, não. A feijoada, eu a devoro por inteira. Menino sempre demora para descobrir os sabores da vida.
Não tenho fotos. Não me lembro de ninguém da família registrando algum momento no Rafas. Uma falha do tempo que não medimos. Sou capaz, porém, de enxergar aquele espaço ao fechar dos olhos. Sou capaz de parar ali do lado do Chicos para lembrar do Rafas. E olhar em volta e ver que, além do Rafas, outros bares e restaurantes também viraram memória. A Avenida Sanitária daquele tempo também. Uma outra hoje com sua modernidade. A Pizzaria Papaula com sua fachada única. Ela também não existe mais. Lembrança dela? Tenho demais. Mas é tema para outra crônica. Como há outros montes bares claros que só permanecem na canção de Wanderdaik.
O Rafas Pizzaria alimentou mais que o corpo de um jovem do século passado. Alimentou também este coração de poeta que vive cá dentro. De homem que não deixou que seus passos ficassem perdidos pelo caminho. Mas que fossem sempre traçados em um espaço-tempo abstrato. O bonito da vida é saber que ainda se vive. E que a vida está lá fora e está cá dentro. É saber que experiências sentidas permanecem. O bonito da vida é saber que momentos foram vividos e que, por isso, continuam vivos.