Priapo de ébano, de Amelina Chaves, já traz no título a sua intenção erótica. Em seus contos, há uma predominância de vozes femininas que ousam sair de suas rotinas para experimentarem relações extraconjugais inusitadas. Há também reflexões sociais diante de uma vida sufocante, em que o capital e as tradições gritam mais alto. No conto “Leiloeiro dos sonhos”, a triste situação da pobreza, cuja fatalidade da morte inspira um poeta. “No xadrez da vida”, uma prostituta encontra a chance de “uma nova jogada” no tabuleiro de sua existência ao se encontrar com um professor numa lanchonete. Em “A castração”, único conto composto todo em diálogos, a vingança tardia de um vaqueiro que viu seu pai sendo humilhado. Mas são os contos de “gozo” que ganham tônica na escrita leve, de fácil leitura, de Amelina Chaves. Em “Reminiscências noturnas”, uma lembrança feminina do tempo da escravidão, em que a protagonista amou um homem inesquecível, de quem foi separada pelo desejo corruptivo de um feitor. No conto “O desconhecido”, uma mulher casada vive uma experiência explosiva sexual dentro de um banheiro, numa parada de ônibus com um estranho. Na narrativa “Os animais”, as pessoas perdem sua subjetividade para se tornarem homens e mulheres máquinas, num cotidiano efervescente das cidades grandes; a importunação sexual dentro de um ônibus gera ao mesmo tempo repulsa e sensação de desejo. Em “A sombra”, uma experiência sexual praticamente surreal num quarto de hotel deixa lembranças no eu feminino que nunca soube quem lhe despertou o prazer. Em “Palavras de amor”, a esposa, apesar de ter um belo marido, vai sentindo o desgaste do seu matrimônio; e, aos poucos, vai cedendo aos encantos de seu colega de trabalho, detentor de palavras encantadoras. Em “A velha gameleira”, a memória da protagonista remonta os tempos em que viveu o prazer do amor às margens do Rio Gorutuba, às sombras de uma gameleira que não existe mais, estando casada com um maquinista que lhe tratava sem o carinho que o outro lhe destinava. Em “Um besouro chamado esperança”, a protagonista divaga sobre sua vida, marcada por um instante de amor que desejaria repetir com aquele homem o qual deixou claro que seria só uma noite. Em “Priapo de ébano”, uma mulher se esconde dentro do guarda-roupa do homem a quem deseja se entregar, mas assiste a uma cena homoerótica entre um casal masculino, sentindo-se inútil na sua condição de mulher. Dois contos de reflexões humanas se singularizam: “O fundo do abismo” e “Vida em retrospecto”. O primeiro um sonho-pesadelo com a morte, num diálogo explícito com a Metamorfose de Kafka. O segundo traz também um sonho em tom de memória de uma mulher a qual foi levada por um homem a cavalo ainda bem jovem com quem teve quinze filhos; ela acorda com a voz de um neto. Assim, esse conto converge com a própria vida de Amelina Chaves. A autora não só brinda os leitores com suas ficções, mas testemunha o enredo de sua própria vida, escrita à tinta e lançadas nas páginas de um livro para que se perpetue a sua memória.
CHAVES, Amelina. Priapo de ébano: contos. Belo Horizonte: Cuatiara, 2007