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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

Palhaço é quem não ri



Em uma dessas noites de chuvas, dessas que amigos se reúnem para contar histórias, cantar e louvar a vida através dos pingos que caem, o riso tornou-se pranto. Inesquecível foi a história do palhaço, inesquecível foi o destino do palhaço. E que boa foi a sina do palhaço.

Há uma historinha:

Um homem muito triste, muito amargurado, descontente da vida procurou um psicólogo. O médico lhe disse para contar a sua desgraçada vida. Não havia nada que lhe pudesse trazer paz e alegria de espírito. Então, o psicólogo recomendou a esse infeliz homem um espetáculo circense que acabara de chegar à cidade. Lá havia um palhaço fantástico que fazia toda a plateia rir. Ninguém conseguia reter os lábios frente tão alegre manifestação de uma vida marcada pelo riso. A cura para tal homem estava nas mãos daquele palhaço. O palhaço era o remédio. Tão grande foi a surpresa do psicólogo, quando o homem levantou da cadeira, virou-se de costas e com os lábios caídos de tristeza disse: “doutor, eu sou aquele palhaço”.

É preciso sempre estender os lábios. Enxergar o mundo através de outros olhos. Uma vista mais serena, mas humana, mais bela. O sorriso pode ser apenas uma contração muscular. Os lábios podem fazer esse movimento impensadamente e sem que queiramos. Sorrir é um ato típico de palhaço. Mas nem sempre o riso é a alegria desse artista. Como na história, é possível levar felicidade para os outros, fazer o mais derrotado dos seres derramar lágrimas de tantas gargalhadas. Porém, quem é capaz de alegrar o espírito desse ser que se anula para fazer os outros felizes?

Assim, espelhemo-nos em palhaços, sobretudo naqueles que se disfarçam de Espetos, mas que são verdadeiras lanças bem afiadas, capazes de extirparem do nosso peito a mácula da tristeza. Nada melhor que, em dias de escuridão, olhar para um rosto e se cegar com tão reluzente clareza. Se todos fôssemos palhaços, conseguiríamos criar uma áurea de risos e de diversões tipicamente infantis e, sem dúvida, saudáveis, vida longeva.


Contudo, não adiantaria estampar na face o sorriso alvo e ter uma alma triste, como o palhaço da história. Seria o palhaço um fingidor? Ou seria o palhaço um ser criador? Um ser que nasce com o propósito de fazer os outros rirem, sem dúvida, não pertence a este plano. Os mortais almejam comumente mortes, ações típicas da raça destruidora e voraz chamada homem. Assim como um pássaro canta em uma gaiola, também fazem os contadores de momices. O canto do pássaro nos traz paz, alegria, esperança. Os gestos dos palhaços nos trazem paz, alegria, esperança. Mas a ave não canta por dentro, tenham a certeza; assim como o palhaço. Ambos estão presos, subordinados. A ave, à prisão de ferro ou madeira; o palhaço, ao mundo humano.

Quando um palhaço morre, seu rosto não é capaz de escancarar o riso que tanto nos fazia bem, mas seu peito se enche de alegria. Agora, sim, ele estará em um lugar onde não haja mais mazelas e intrigas humanas, apenas serenos lábios divinos. Que os céus recebam grandioso presente. Com os trajes clássicos e cômicos ao mesmo tempo, vistam-se todos os palhaços mortos. Quem sabe lá no alto, seus espíritos possam se alegrar e sorrir como os lábios, frente a uma plateia capaz apenas de transmitir paz, alegria, esperança e, principalmente, amor...

In: Ler-se(r), 2016, p. 61

Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 02/08/2019
Alterado em 24/11/2023
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