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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

A literatura das crônicas de Pedro Pires Bessa

 

A crônica é filha de seu tempo, ou melhor, cronos é o próprio tempo, o instante, o momento presente. Ser cronista é atentar-se para os acontecimentos do dia a dia. E um dia pode ser pluri. O dia pode ser um mês, uma década, um século, uma era. O dia se faz a partir dos olhos do cronista, deste poeta do cotidiano. As reflexões sobre os fatos, que podem ser reais ou ficcionais, são propostas em um texto leve e subjetivo, jornalístico e literário, no qual se harmoniza o autor-mundo-leitor.

 

Pedro Pires Bessa é um desses construtores do dia. A sua formação filosófica, teológica, linguística e literária lhe proporciona um olhar crítico, sincero e lírico do mundo a sua volta e também do seu mundo interior. Suas palavras, de uma simplicidade contemporânea belíssima, penetram em nossos olhos e nos transportam para a realidade. Bessa não é só um homem, é um escritor; não só escritor, é poeta; não só poeta, é uma vida. Um ser verdadeiramente humano que vive o presente, sem deixar rebarba para trás, que busca, em tudo, coisas singelas, repleto de planos e que ama.

 

Suas crônicas brotam de um simples olhar. De um trocar de fraudas na rodoviária, à ciência da mutabilidade das coisas, panos substituídos por materiais descartáveis. Tudo vai se adaptando aos tempos de mudanças. Os telefones públicos, aqueles das fichazinhas, contaminados por muitas orelhas, hoje são os telefones particulares, celulares, que se contaminam por um só ouvido. A vaidade feminina ultrapassa os gêneros e encontra nos homens um suporte de beleza, já idealizado em Apolo. A mulher, por sua vez, não só passa às calças, outrora vestes típicas masculinas, como assume o ofício de sustento do lar. Isso gera a família moderna, em que pais saem para o trabalho e filhos se educam com o mundo. A geração zap, ciber, guiada pela televisão e internet, cultora de um mundo de mentiras, amoralismo, drogas, mortes e promiscuidade. E a humanidade assiste tranquilamente a um tempo em que pais obedecem aos filhos; pior, de pais que têm medo dos filhos. As crianças não caminham para o Reino dos Céus. A reflexão espiritual proporcionada pela Quaresma, pela Semana Santa, pelo Natal perde terreno para a reflexão banal e corrosiva da televisão. O que esperar de crianças que são induzidas por uma venenosa Verônica, que em vez de ensinar a enxugar o suor de sangue, ensina a pôr a máscara sobre a face? que ensina o olhar gordo e ganancioso; que prega a traição, o amor e ódio entre casais e o fim da indissolubilidade matrimonial?

 

Diante desse painel, o cronista rememora os tempos pueris. De uma época em que os desenhos não eram feios e falaciosos, de uma infância de rodas, de pipas, de terrenos baldios, de coleguismo. A aurora da vida que os tempos não trazem mais. É difícil ser filho hoje. E tal conclusão não vem de um homem maduro, mas do testemunho de uma criança que escreveu a sua professora o seu desejo de ser um televisor, porque ele é capaz de reunir a família em torno de si. Bessa, em suas crônicas, nos ensina o que falta, não só às crianças, mas a todas as pessoas: atenção, amor! Gente honesta que ajuda os outros altruisticamente. O que falta são dons espirituais.

 

A crônica social de Bessa transpõe o âmbito familiar. Ele é de fato um observador de sua cidade e do mundo. Seus olhos críticos saltam de cães abandonados nas ruas ao casamento inglês de William e Kate, aos conflitos políticos e religiosos dos parônimos Obama-Osama. Ao voltar-se para o seu país, vê que o brasileiro é o povo mais esperançoso do mundo. Talvez seja por isso que a normalidade corrupta e díspar da realidade do Brasil seja aceita com comodidade. A falta de educação, os gastos públicos desnecessários, o preconceito, as campanhas eleitorais abusivas, a falta de desconfiômetro, os impostos escalonados, as moradias precárias, a seca, a marginalidade, os políticos corruptos, tudo isso é a realidade brasileira. Um antagonismo gritante que Bessa nos apresenta ao falar de sua terra abençoada, a cidade mineira de Divinópolis, em que não há tsunamis, como no Japão, nem vulcões, nem chuvas avassaladoras. Mesmo ciente de todos os problemas sociais e políticos brasileiros, Bessa é um homem que, seguindo o dito acima, vai às urnas de seu país num gesto esperançoso.

 

O cronista, como um cata-vento, vai colhendo em cada canto outros temas diversos para seus textos. O idoso e o cuidado com sua saúde; o carnaval carioca, aquele de rua, o verdadeiro carnal, não o lustroso da Sapucaí; os jardins, desde os Suspensos da Babilônia ao singelo jardim do terraço de D. Ilza; pessoas, como Canidés, fundador de Divinópolis, e a bailarina naturalista Luz del Fuego.

 

No seu ofício linguista e literário, Bessa elucida a origem de várias palavras como misericórdia, sertão, paquerar; além de perscrutar a sua própria origem e valorar escritores de sobrenome Bessa/Beça. Não só seus “xarás”, o cronista mineiro é um pesquisador da literatura escondida. Quanto professor, ele não se prende apenas aos cânones literários. Ao falar da literatura regional, não deixa, é claro, de mencionar nomes célebres como Euclides da Cunha e Guimarães Rosa; porém, é defensor de uma literatura regional, verdadeiramente, regional, que está próxima, adormecida ou viva e atuante, desde as barrancas são-franciscanas até os escritores divinopolitanos. Eis um dos problemas da literatura: fazer literatura e ser reconhecido. O autor cita dois casos interessantes: um jovem leitor que vendeu um livro do qual gostava muito, e, anos depois, desejoso de ter exemplar semelhante, compra-o novamente em um sebo, o mesmo livro; e um jovem escritor que editou 200 exemplares, vendendo apenas um, doando os 199 na expectativa de ser lido. Em contrapartida, editoras selecionam suas publicações em torno dos Best Sellers, muitas vezes não brasileiros. O que é preciso fazer são atitudes como as relatadas nas crônicas “50 dos 50”, em que uma editora reuniu produções poéticas atuais e brasileiras; e “Natal Poesia”, em que um Colégio belo-horizontino produziu um livro de músicas e poesias de alunos.

 

É a vida, Pedro Pires Bessa. Esta dádiva maravilhosa e misteriosa à qual estamos sujeitos. E dela não podemos desvencilhar, num gesto covarde e passivo. Somos ativos, cronistas e poetas deste mundo, o qual nos dá repasto para nossas imaginações. Trazemos conosco a chave, e, com ela, podemos abrir olhos e corações, como da pessoa amada. E devemos continuar sempre nessa procura, penetrando cada vez mais no reino das palavras, sob suas mil faces secretas. Quem sabe, saindo deste mundo e aceitando o tempo que está fora de tudo, encontraremos verdadeiramente a chave que tanto procuramos. E assim, responder “sim” a pergunta.

 

Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 18/09/2018
Alterado em 26/01/2024
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