Ela foi vislumbrada pela primeira vez encostada em um muro pintado com grafite. Nunca a tinha visto antes. Parecia uma flor no meio daquelas cores escuras do muro. A sua beleza era radiante e muito adiante dos padrões convencionais. A lua não seria tão inspiradora. Vencida a timidez, aproximação certa.
Deveria dizer alguma coisa, algo significativo para uma primeira impressão. Nada do tipo “o dia está quente hoje” ou “você vem sempre aqui”. Frases banais sem sentido, apenas para acionar a função fática da linguagem. Disse então que ela era o toque mágico que faltava à arte do grafiteiro. Sorriso, não um sorriso sem graça, mas significativo, mensagem positiva ou passada. Para completar, disse que era pintor. Não um artista das ruas como grafiteiros. Arte que se manifesta em quadros no quarto, preso a reflexões. Ela quis saber quais tipos de quadros. Então, é feita a proposta: ir ao atelier. Queria lhe mostrar algo, lhe dar um presente. Uma desconfiança confiável. Sem saber muito bem por quê, a garota sente sinceridade nas palavras e resolve ir.
Depois de poucos metros, uma casa de um único pavimento, muito simples, com grafites no muro. O portão se abre, e um pequeno cão dá as boas-vindas. Uma sala com muitas telas por acabar, outras terminadas; muitas tintas espalhadas pelo chão e, em galões, pincéis...
Disse para ela ficar sentada em um banco, queria lhe dar um presente. É claro que ela entendeu que se tratava de um quadro e aceita o convite.
Passados alguns minutos (horas), lá estava a moça retratada na tela. Uma visão belíssima. É incrível poder traduzir tão magna beleza humana em algo concreto e abstrato ao mesmo tempo. A pintura ficara muito melhor que a própria garota que se sentiu inferiorizada frente a tanto talento. O quadro é ofertado à moça que, a princípio, recusa, mas termina por aceitar. Ficou tão impressionada que o seu peito manifestou sentimentos amorosos.
O atelier é deixado, e os passos conduzem até o ponto de ônibus. As palavras se perdem, e a moça se esquece de perguntar o nome do pintor. O ônibus chega, não há mais tempo, e um adeus marca a despedida.
No dia seguinte, ela volta ao atelier. O senhor de barbas, fadigado, abre a porta. Ela pergunta sobre o pintor. E o senhor prontamente responde: “sou eu”. Ela se confunde, pois quem a pintou foi um rapaz jovem. O velho, furioso, brada: “mais uma! mais uma! não aguento mais isso! mais uma!” Fecha a porta, e o cão fica latindo cá dentro.
In: Ler-se(r), 2016, p. 59.