rodoviária
o senhor está deitado no último degrau e primeiro da rodoviária
das plataformas aos guichês
mas o senhor não é um viajante
passa pelo senhor uma jovem com um chapéu vermelho
com os olhos vermelhos
se dirige a plataforma “d”
mas não leva doces
o senhor continua deitado
acordado
de um ônibus desce um jovem chupando uma laranja
com uma perna mecânica
vai para um lugar escuro
fica preso em uma grade no solo
ouve um barulho e vê um estupro
mas não escuta beethoven
o senhor levanta a cabeça
acordado
desce correndo uma criança com a bolsa amarela
com a pele amarela
se dirige a plataforma “i”
mas não leva nenhum alfinete nem guarda-chuva nem galos
o senhor se apoia em um dos braços
acordado
um homem de jaleco verde
pede ao taxista para levá-lo para casa
mas não entra no carro e fica gritando como um louco
o senhor se senta
acordado
uma mulher passa pelo senhor e elogia os ônibus da danúbio azul
ao longe um rádio toca uma valsa
mas não é strauss
o senhor fica de cócoras
com sono
passa pelo senhor um velhinho com uma calça anil
se dirige a plataforma “a”
abraça uma garota de jeans
chora
mas dos olhos nenhuma lágrima
o senhor se levanta
e dorme
a rodoviária se transforma em um jardim de violetas
ninguém mais parte
na sua íris uma violenta explosão de cores
e o senhor viaja
In:
assim alado, 2011, p. 83-84.