Na simplicidade de uma vida roceira, distante dos literatos de poltronas, a poesia emerge no peito de menina. Doçura transformada em arte, e arte definindo vida. Sonhos pueris de inocente permanência na rústica existência. Almejada estada árcade terrena. Mas, na estreia pulsante de todos os seres humanos neste mundano mundo, a realidade gritante das angústias presenteia, sem distinção, os mortais. E não há ensaio, não há rascunho, a vida é livro definitivo.
E nessa publicação vital, devem ser estampadas palavras genuinamente verdadeiras. Traçados que priorizem a mensagem, independente da forma, ou melhor, da fôrma. Por isso, a menina, na sua rica imaginação, escreve versos, histórias em papéis como se lançasse à grama um piquenique de invenções, deixando de a grama ticar. Não se assinale nada além daquilo que é usado. Portanto, não digais vocábulos esdrúxulos, escrevê-los-íeis apenas na cartilha adormecida na gaveta.
Não se respirem mofos ou ácaros, poeiras de gavetas estagnadas e isentas de vida. A expiração e, sobretudo, a inspiração está no ar puro do “dia-a-dia”, do dia a dia. O cotidiano do interior brasileiro, dos becos (de Goiás), das ruas, das festas folclóricas é o livro lido pela menina que rascunha sua primeira tragédia na roça. Afinal, a vida não é Rapunzel nem Neve. Os cabelos são riscados pelos sofrimentos, e a maçã é aberta com dores. Porém, tudo é aprendizado, tudo é bem divisado, a dor tem fim, ainda que seja findada no derradeiro momento de encontrar-se com o além-túmulo.
As dores, entretanto, podem não estar presentes no corpo dorido, mas no outro. A menina cresce, aprende, esquece, lembra e ama. Amor humano, inferior ao das musas que nunca morre. Felizes dos que amam como Erato, Calíope e Euterpe. Morre o mar ido ao infinito, e ficam nas águas para o sustento os livros. A vida de menina transformada em sabedoria de senhora que somente na velhice se permite conhecer.
Falseia-se, então, a identidade em prol da originalidade poética. O registrado nome nunca entrara na academia, mas o pseudônimo é coroado, doutor honoris causa da vida. Percurso que não deve ser necessariamente nem curto, nem longo, mas intenso, verdadeiro e puro enquanto durar. E que seja infinito enquanto dure. Isso é saber viver. Logo, é preciso renovar, recriar a vida, sempre e sempre, fazer da vida um poema. A mulher aqui se derrama nas páginas e se permite ser lida, absorvida pelos sedentos de vida, sedentos de poesia.
Lendo-se, então, um transcurso de vida em páginas grafadas, os homens passam e se esquecem. É preciso deixar vivo dentro de si todos os eus que os dias proporcionam. Assim, esta mulher tão vivida são várias, uma mulher proletária, linguaruda, desabusada, sem preconceitos, roceira, trabalhadeira, madrugadeira, analfabeta, mãe e avó. No entanto, os homens não se importam com o tempo passado, arranham o presente e nele se afogam. Que importa a marca dos retratos na parede? Rasgam-se as recordações e implodem sobrados, não deixando nem as sobras.
Uma ação humana análoga à do tempo que corrói toda uma vida. A grande mãe Terra que cria o homem, também o consome. Nascimento e morte projetados. No fim, tudo é sobrado. Resta esperar, portanto, que se abriguem em nós todos os seres que amamos. E dentro da mulher-menina foram guardadas todas as emoções do mundo, e ela vive dentro de todos muito bem Cora(da). Jamais implodida, mas sempre eclodida. Porque nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Isto é Saber Viver!