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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

MENDONÇA JÚNIOR, José Geraldo. A Parte do Todo. São Paulo: Editora Catrumano, 2012. 

 

A doçura do luzir nos olhos poéticos de A Parte do Todo

 

O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte;
Não se diga que é parte, sendo todo.
Gregório de Matos



Enquanto o poeta barroco direciona a sua lírica, numa linguagem cultista, para a reflexão paradoxal da vida, nos meandros religiosos; o poeta moderno que aqui se apresenta, numa linguagem simples e aprazível, lança o seu olhar para o homem e suas relações, sobretudo amorosas.  “A parte do todo” de José Geraldo Mendonça Junior é feito de partes de olhares, de luzes, e de todo amor.

A sua boca da noite são portas que se abrem não para a obscuridade noturna, escuridão negra e negativa, mas para a luz lunar, a luz do olhar. A noite é a boca da amada que enlouquece o poeta o qual, desejando ser um gatinho, um brinquedo, um bichinho de pelúcia, quer ser posto no colo e também colocar no colo a amada e gozar intensamente de prazer, mesmo num outro planeta com homenzinhos verdes como voyeurs.

É esse o amor do poeta Penninha, repleto de derramamentos líricos, de desejos, de querências, de confissões, de sentimentos humanos. A mulher é a musa que desfila no tapete vermelho de sua poesia. Uma mulher também humana, que encanta, que namora, que possui beijos doces como amora. Brejeira Morena Iara Sereia Manhosa Ninfa Cigana, múltiplas belezas e fascinações. O medo de amar cede espaço para um sonho acordado: um querer “estar com você”, “ser amigo”, “cativar você”, “querer amar você”. É a tentação do amor. O uso do pronome “você” não é gratuito. A poesia de Penninha é muito bem pensada, sugestiva. Esse diálogo com o outro é uma constância, seja no uso de “você”, de “tu” ou de qualquer outro elemento conativo. O outro, o ser amado, esperado, que pode ser muito bem o leitor/leitora de seus versos.

Continuando a temática amorosa, engana-se quem pensar estar diante de um poeta ingênuo. De fato, não lemos em Penninha palavras impudicas, mas metáforas lindas. O poeta soube mostrar toda a sensualidade feminina e imagens amorosas sem ser luxurioso. O corpo da amada é descrito geograficamente com seus relevos, grutas, montes. No poema “O fruto do desejo”, leem-se os versos “penetrar seu arvoredo” e “provar o fruto”. Uma composição exata e poética para a conotação sexual. Porém, esse ser tão amado que atiça o eu poético com suas bocas e pernas, no centro urbano, de beijos roubados, quentes tal aguardente, se distancia, deixando-o “sozinho, voando tipo passarinho”. O amor é uma semente que deve ser muito bem plantada e irrigada para, num instante exato, colher seus frutos. Maria, Marla, Ana, Ima, Izabel, Amanda são nomes que reascendem a luz do querer e irradiam a doçura, que lembram momentos raros, que se fazem presentes, meninas que viraram belas mulheres com lume no olhar e imagináveis geografias.

Com pequenas palavras, o poeta penetra pouco a pouco no olhar do leitor. Em “Azul”, o eu lírico se metaforiza no próprio céu: “sou azul/ sou estrela/ quero ascender/ por você”. O ascender, o luzir, a luz em suas conotações aparece de forma intensa na lírica de Penninha.  Esse reluzir está diretamente associado aos olhos. Logo, a poesia de Penninha é uma poética do olhar. Tanto os olhos do eu lírico quanto os do tu poético se transformam em ímãs, capazes de gerar um eletromagnetismo intenso, num encontro entre as luzes dos olhares.

O amor é um eterno mistério, é uma estrela, uma luz que se apaga quando acaba o encanto, mas também é uma luz em cada olhar. A doçura dos olhos cativa, convida a beber nas fontes dos desejos o sabor dos beijos e o sal da pele. A centelha dos olhos é quente e viva como uma estrela e acalentadora como o luar. Os olhos são duas pérolas cuja magia e fascínio são irresistíveis. Contudo, o poeta sabe que esses olhares, muitas vezes, são de ciganos, como soube Bentinho, dissimilados e oblíquos; olhares que desafiam a calma do outro olhar. E assim como veio se esvai, frustrando o eu lírico, causando um enorme choque como num curto-circuito, restando apenas a lembrança de um quebra-cabeça incompleto. Na verdade, é a ciência da efemeridade, a consciência de que os olhos que hoje veem não são os mesmos de ontem, e dos castelos de areia construídos já não restam mais que a areia levada e lavada pelo mar. Todavia, resta, pois, a recordação, as lembranças dos carinhos, dos beijos que ficam tatuados na retina.

José Geraldo é um poeta moderno de um vocabulário contemporâneo. Tal como Guimarães Rosa, que inclusive é mencionado pelo autor no poema “Nas garras do dragão”, Penninha não se submete a tirania da gramática que, segundo o próprio Rosa, foi inventada pelos inimigos da poesia. Coloquialismo, estrangeirismo e neologismo aparecem neste A parte do Todo, não com tanta intensidade, mas com economia e nos momentos certos. O poema “Woman”, por exemplo, é todo em inglês; mas não um anglicanismo complexo de difícil compreensão. Um poema de declaração amorosa, pedindo beijo e amor a sua “baby”. Há também o poema “Blue” em que se lê uma referência ao Beatle John Lennon. Já em “Cogumelo’s”, a música do Bee Gees. Mas não só a xenofilia é ressaltada, há também o calor telúrico da terra natal. O poema neológico “Montesclariar”, que está mais para uma prosa poética, é uma homenagem ao músico Godofredo Guedes e a Montes Claros. O trajeto de vida desse compositor que nos legou belos choros, modinhas e serestas aparece no poema “Um ser de luz”, bem como uma referência ao seu filho, Beto Guedes.

A poesia de Penninha é um convite ao romance e a aventura. É o pedido de pausa, diante de um mundo em constantes mudanças e banalidades, onde somos bichos urbanos, para adentrar nos enigmas poéticos que estão escritos nas estrelas. É um convite para nos deixar levar por sonhos coloridos. Segurar na calda de um cometa e ir em busca da outra metade da alma, ainda que por milhares de quilômetros, pois “ninguém manda no coração”. E já que “estamos de passagem, não podemos perder a viagem, não devemos nos perder”. Amar com amor, com a doçura do amor, tal como o menino Jesus em cada Natal, pois vale a pena. Nunca deixar de sorrir, eis o pedido do poeta. E mesmo que o soneto não queira ser escrito, não desistir nunca da poesia, desse enlevo que não se explica, mas se sente. A poesia singela e magna do olhar, da doçura, do aroma de perfume, a poesia que está em tudo, até num beijo roubado com sabor de pequi. Eis as partes deste todo.

 

Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 11/02/2015
Alterado em 26/01/2024
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