Bodas de Algodão
para minha Micaele
cada segundo de meus minutos
Suaves mãos que tocam o rosto sereno. Dedos deslizam e olhos lendo. A poesia que se modela no corpo. Gosto de vida emudecido em algodão. Uma existência vívida no outro. O tempo que flutua estagna nos lábios. Seiva que energiza o suspiro de cada manhã. O abraço matinal completa a cena. E quando o som das palavras se cala, o gesto da mão acena. O labor conjunto das letras, quadro, giz, pincel, livro, caderno, cetras. Assim se tece, se reveste as sementes deste algodoeiro.
O segundo passa depressa. E, de fato, passou. Como uma seta que transpassa rente aos olhos. O tempo se ouve no rumorejar dos ventos. O coração se ausculta no ato amor. E assim sinestésico o som saboroso e macio de um “te amo!”. Declaração de segundo, que se repete em segundo em segundo.
Ano par, mas singular. Novas portas se abrindo. Nós escrevendo letras em muitos papéis humanos. O carinho que se vai aconchegando. Responsabilidades que nos ampliam as possibilidades. Sob as bênçãos da Virgem e sob a proteção das fardas, solidificamo-nos cada vez mais. Lá fora, o casal literário; cá dentro, a poesia se casa. Os livros se enfileiram nas estantes, e as taças se enchem de cristal. O desejo do broto, vida magistral...
A nação não consola. Perco o rumo da bola. O pleito é jogo feio que não nos escapa. O que resta da vida foleio. O que nos sustenta são as páginas que volvemos. O livro maior é este mundo, mundo, vasto mundo... E, como crianças, alçamos voo para desbravá-lo. O Trovão Negro é nosso companheiro. E lá pelos janeiros fomos ver parentes. O Trovão arriou... ah, se fosse na verdadeira Pompeia... depois de um tempo trovejou, e a saga continuou. No sul das Minas, lá de novo para apadrinhar noivos. E conhecemos um Engenheiro, aqui pertinho. Nos Corações, caminhamos nas ruínas modernas de um castelo medieval. Logo ali nos diamantes, um recanto que queríamos no Natal...
O segundo passou depressa. À porta estamos, ansiando por novos ares. Que temos certeza, novo será! E o que desejo, amor que tenho, é que velho esteja em seus braços. O segundo passa rápido. Não iludo o tempo. O terceiro, quarto, quinto... também. Ah, meu bem!, deixemo-los passarem, no frenesi que tanto impera. Fiquemos nós cultivando lentamente o verbo amar. E de tudo que o mundo nos reserva, não nos adiantemos. Ele espera...
Seu Márcio
Ano II - 15 de dezembro de 2014.