Crônica do meu amigo escritor e professor de Língua Portuguesa Olden Hugo
Sair para fora do Brasil
Uma norma gramatical, inventada ninguém sabe por quem, nos proíbe expressões como “entrar para dentro”, “subir para cima” ou “descer para baixo”, com o argumento de que ofendem a lógica. Essa restrição é elegantemente intitulada redundância ou pleonasmo, ou ganha até o empolado nome tautologia, conhecido de poucos. Outro dia, assistindo ao popular Telecurso 2000, ouvi a belíssima voz do narrador explicar o que é pleonasmo: “Pleonasmo consiste em repetir a mesma ideia usando palavras diferentes.” Muito satisfatória a definição, visto que conceitua e exemplifica simultaneamente: “repetir a mesma ideia”, se se repetiu a ideia, claro que é a mesma! Eis uma redundância.
Outro dia, no meio da aula, uma aluna do ensino médio me advertiu quando pedi silêncio absoluto para explicar a matéria. Ela disse: “Professor, por acaso, existe silêncio pela metade?” Não fiquei ofendido, pois adoro pleonasmos! Redigir um texto, verdade absoluta, silêncio absoluto, certeza absoluta, tempo de duração, fato certo, evidência clara, prever o futuro são expressões que me cativam pela força enfática que portam. Período de tempo, deslocar de um lugar para o outro, padrão comum a todos, fato real, outra alternativa, manter o mesmo, conviver junto, fim definitivo são locuções que me soam como pleno domínio da língua. Quando as ouço, saboreio como a um sorvete!
Além do mais, consigo me defender muito bem se alguém diz que incorri em redundância e que desobedeci à gramática normativa, texto mais poderoso que a Constituição Federal. Digo que a gramática também gosta de redundâncias, pois ela prefere que, em vez de “nós vai”, se utilize “nós vamos”, repetindo a pessoa “nós” na desinência número-pessoal do verbo. Digo também que a gramática deseja expressões repetitivas como “morreu uma morte doce”, “viveu uma vida dura”, “sonhou um sonho bom”, classificados como objetos diretos internos. Também gosta de frases do tipo “Meus livros, não os empresto a ninguém.”, e que diz inclusive que nelas há objeto direto pleonástico!
A polêmica me veio à mente porque, em conversa informal, algum entusiasta disse que as palavras “Brasil” e “Futebol” não podem figurar na mesma frase, pois isso resultaria uma redundância! A esse fanático eu quis dizer que nem todo brasileiro gosta de futebol, sobretudo se há uso do dinheiro público nos luxuosos estádios em redor dos quais desempregados e analfabetos funcionais pedem esmolas. O Brasil não é o país do futebol! À redundância “Brasil e Futebol” prefiro sair do país enquanto houver uma copa que refletirá o despreparo e a falta de senso de valores de uma nação que repete (os mesmos) erros de um tolo que exibe uma aparência bem cuidada e um interior débil.
Num salão de beleza, enquanto o cabeleireiro me cortava o cabelo, o televisor estava ligado, e um idoso se sentava silencioso e desacelerado, no ritmo que a avançada idade requer. Pela TV, foi noticiado um desvio milionário de verbas públicas no nordeste brasileiro. O cabeleireiro, estarrecido com a triste notícia, pasmou e paralisou as mãos, com pente e tesoura. Só voltou a cortar meu cabelo ao fim da fala do âncora, e comentou que um dinheiro que poderia ser investido em infraestrutura nas escolas ou em segurança nas cidades foi para o bolso de corruptos. Concluiu tristemente: “É… o Brasil não tem mesmo jeito.” O idoso, cuja voz era até então desconhecida, emendou o argumento: “É … o Brasil não tem jeito mesmo não, perdeu para a Bolívia de 2 a 0. Um absurdo!” Entendi ali por que chamam o Brasil de “o país do futebol”: porque aqui os nomes dos jogadores de futebol são mais conhecidos que os nomes dos ministros e senadores.