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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

SALGADO, Rogério. Trilhas. Belo Horizonte: O Lutador, 2007.
 

Trilhas Salgadas

 

A trilha poética de Rogério Salgado se pauta em experiências linguísticas como um bom contemporâneo apreciador das inspirações momentâneas e influências literárias modernas. Uma coletânea de uma vida marcada por rimas brancas, porque branco é o sangue daqueles que esperam erguer a bandeira da paz e da vida livre. Eis o que se deseja em todas as reticências pingadas no final de cada poema, pois “Democracia/ rima com povo./ Liberdade é poesia...”

Com habilidades extensivas da escrita que também atingem o seu completo oposto, com dísticos, tercetos ou quadras, esse poeta músico declara o seu egoísmo já que “meu amor/ só quer/ me ter...” E quem seria esse amor presente e ausente ao mesmo tempo em boa parte de sua lavra poética? Um ser carnal capaz de saciar desejos intrínsecos eroticamente como em uma Completa Ceia: “Meu tesão/ é poder comer teu corpo/ numa ceia/ te ter inteira/ e não somente meia”. Ou um ser divinamente almejado puro e singelo, capaz de despertar desejos até pueris com associações doces da vida, um poema inocente para ser recitado: “Queria tocar o bico do seu seio/ carinhosamente como quem toca/ uma cereja”. Ou quem sabe ainda esse amor seja a musa Euterpe ou Erato, a poesia virgem e luxuriosa ao mesmo tempo, a qual perturba o poeta com tanta intensidade levando-o ao clímax numa masturbação poética: “Ao conceber essa porra de poema/ gozei!”

Certo é que para melhorar todas as coisas apesar delas não estarem boas: “Amor”. Essa é a menor composição desse poeta fluminense e belo-horizontino de peito, um monóstico oxítono, ainda que muitos críticos literários neguem a existência de tal verso. Mas certo é que, apenas com essa palavra, toda uma poesia se forma. Extravasando ainda mais, com a repetição desse vocábulo “amor” toda uma história se forma. O mandamento maior, pregado por aquele que mais praticou tal virtude e que hoje à moda do século XXI é comercializado: “Vende-se Jesus!/ Quem dá mais?”, não pode ser deixado de lado. Uma facada salgada perfurante do poeta que nos abre os olhos para tal crime. Mas verdade seja dita: “O amor transforma água em vinho/ multiplica pães e peixes/ crucifica-se na hora exata/ ressuscita diariamente/ a caminho do paraíso”.

A temática social perpassa questões mundiais como a lembrança da “fumaça de Hiroshima” até o nosso particular Brasil Moderno onde “Numa esquina qualquer/ um possível cristo dorme/ (ou quem sabe, morre faminto)./ E todos nós, festejando/ a ceia santa, à luz de velas”. Contudo, apesar de nos alertar para tal realidade, o poeta nos presenteia com uma esperança ingênua, para lembrar esta referência humana: “Acreditar em Papai Noel é/ às vezes, uma maneira sutil/ de acreditar na criança/ que existe dentro de nós/ e com isso, acreditar/ mais e mais em nós mesmos.”

O cotidiano e menções a ditos populares, ora transcritos como tais: “mentira tem perna curta”, “e a vaca indo pro brejo”; ora parafraseados ou parodiados “Antes só/ que só acompanhado” são constantes em sua poética. Junto a isso também há adaptações de outros poemas bem conhecidos, Pessoa e Drummond testemunham: “O amor só vale a pena/ se a cama não for pequena”; “Quando nasci/ alguém deve ter dito:/ - Vai cara, ser poeta na vida!”

“Pior que solidão/ é estar só!”. E um poeta nunca está só, seja pela literatura que o cerca, seja pelas inspirações que o perturbam constantemente, obrigando-o a lançar-se no papel. E após se entregar ao mundo fantástico das palavras como Torquato, Ana Cristina, Mauro Fonseca, com mortes voluntárias ou impetradas ou não almejadas, a poética sobreviverá, doce ou salgada, em trilhos ou rios; e no Epitáfio: “Aqui nasce um poema/ enquanto o poeta/ falece na composição amarga/ de rasurar sua dor.”


Resenha publicada no jornal “O Norte”, dia 29 de outubro de 2009.

Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 27/12/2014
Alterado em 26/01/2024
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