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Márcio Moraes
no leito solidário de uma floresta altiva descansem por favor a minha poesia
Textos

Uma viagem Literária

 

Você está no quintal de sua casa, dentro de uma grande embarcação. Com essa embarcação, você faz grandes navegações. Você avista uma terra tropical e a batiza de Terra de Vera Cruz. Uma carta, vinda de Portugal, soprada pelo vento, bate em seu rosto. A carta pedia informação acerca da terra recém-descoberta. Você desce da embarcação e caminha, caminha por uma floresta cheia de pau-brasil até chegar a uma igreja. Você entra na igreja e veste uma batina preta, jesuítica. Agora você é o padre José e começa a celebrar uma missa em latim. Você catequiza os indígenas e orienta a formação espiritual dos colonos que estão na igreja.


Na sua concepção de padre jesuíta, você olha para o altar da igreja todo ornamentado de ouro com excesso de douramentos. Esculpindo o altar da Igreja com madeira e pedra-sabão está um aleijado. Atrás do altar há um grande canavial. Do meio das canas, você retira um barro. Esse barro era todo irregular, desequilibrado, desarmonioso e dramático. Uma parte do barro era clara, outra parte do barro era escura, muito contraditório e complexo. Esse barro lhe causa uma grande tensão espiritual. E você se torna uma pessoa do contra. Você olha para o céu e vê Deus na sua glória, olha para o chão e vê o homem na sua miséria. Olha para o lado e vê uma mulher nua, chamando-o ao pecado; olha para o outro lado e vê Nossa Senhora, para lhe dar  o perdão. Vindo da boca do inferno, saindo do meio do mato, pula um poeta grego muito culto. Esse poeta grego lhe entrega uma arca.

Quando você abre essa arca, uma grande quantidade de luz ilumina sua racionalidade. Você então faz uma revolução. Foge da cidade e entra na arca toda coberta de minas de ouro. Você corta todo o excesso de sua vida e passa a ter uma aura média. Você coloca uma roupa branca de pastor grego. Agora você é um novo clássico e usa um falso nome: Cláudio. Você começa a guiar as ovelhas para a arca e vai tirando os seus dentes. Você coloca toda a natureza nessa arca e passa a ter uma vida bucólica, num local ameno, simples e tranquilo. Você passa a ter, então, uma vida equilibrada, harmônica e sóbria às margens épicas do rio Uruguai. Você passa a aproveitar o seu dia intensamente. Até que você sente fome e toma, em suas mãos, uma romã.

Você morde a romã e cai num sono profundo. Você está sonhando com uma guerra dramática. Essa guerra ocorre às margem do rio Ipiranga. Um homem saca sua espada e proclama a independência. Você vê o surgimento de uma nação em um dia. Nessa nação, aparecem indígenas idealizando uma mulher muito bela de cabelos pretos e lábios de mel. Essa mulher se chama Iracema. Você olha para debaixo de uma bananeira e vê um homem ultrabêbado e melancólico, usando um terno de casimira. Ele se sente derrotado e quer escapar da vida pela morte. Você vê homens praticando rituais satânicos e chupando limões no cemitério. Todos estão com tuberculose. É o mal desse século. Do chão surge um castro enorme. Esse castro sai da terra e cai em cima um navio negreiro. Nesse navio, estão escravos presos, balançando correntes e gritando: reforma! reforma! liberdade! liberdade. E então um condor leva você até o Rio de Janeiro em meio a urbanidade burguesa. Você vê uma moreninha se casando com um médico. Numa região mais distante, você vê a inocência de uma moça se entregando à morte diante de um visconde. Então, você se assusta e acorda para a realidade.

Você começa a olhar para o real. Você vê homens e mulheres cometendo adultério. Você vê os problemas sociais. Vê cientistas fazendo experimentos evolucionistas de forma determinada e positiva. Você olha para um cortiço. No cortiço, há muita sujeira e um aglomerado de pessoas. Patrão e empregado se desentendem. Uma mulata lava roupas. Um homem a abraça forte por trás. Você, então, vê uma cena sexual selvagem com muita naturalidade. Você, querendo sair desse mundo natural, pega um machado e acerta sua própria cabeça. E você aparece numa galeria de arte.

Você anda por essa galeria apreciando as obras perfeitas, belas, puras. Lê poemas de rimas raras e preciosas. Você olha tudo e começa a fazer descrições. Vê sobre um mármore um belo par de vasos contendo dois lacres. Um vaso com muitos símbolos.

Os símbolos desse vaso eram muito sugestivos e misteriosos. Havia também símbolos musicais. Bem no centro uma cruz bem clara, bem alva, cristalina. O seu subconsciente pede para você entrar num dos vasos. Você, então, mergulha num desses vasos e aparece no meio da Guerra de Canudos.

Você agora é uma criança dos sertões baianos. Você está na pré-escola e começa a escrever em forma de cunha. De repente aparece na sala de aula um lobo que num ato de ferocidade corre atrás de um tatu. O tatu entra num cubo no qual está um bebê dizendo dadá na rádio expressão numa velocidade futura e surreal. Você se assusta, sobe num pau-andrade e pula num pau-brasil que emoldura uma tela na qual há um chapéu de aba puro. Esse chapéu sai voando em cima da mata virgem onde antropófago devora um índio mau e preguiçoso que brinca de preto e branco. No meio do caminho da mata você vê uma pedra. Essa pedra do caminho vira uma rosa que explode em Hiroshima. Um pequeno som de um vinil é tocado por um poetinha fiel. Esse som estridente dura quinze anos nas vidas secas de ramos nordestinos. Então você vai para o sul. Lá, apesar dos incidentes com antas, os lírios do campo são veríssimos. Desse campo, você vê surgir uma travessia de veredas que leva a um grande sertão cheio de rosas. De uma dessas rosas sai uma estrela que marca a hora de murchar uma flor de lis. A morte e a vida serve a rima. Você segura essa flor despetalada e a coloca num concreto em que o visual é repleto de campos. Você começa a caminhar nesse campo até chegar ao quintal de sua casa, onde vê uma grande embarcação...

 

Crônica revisada e ampliada. A versão original foi publicada no livro Ler-se(r), 2016, p. 118.

Márcio Adriano Moraes
Enviado por Márcio Adriano Moraes em 15/08/2013
Alterado em 15/04/2024
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